quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

morte e vida severina_João Cabral de Mello Neto






Morte e Vida Severina

(Auto de Natal Pernambucano)
de João Cabral de Mello Neto    


O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR  QUEM É E A QUE VAI  
— O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias. Mais isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem falo ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba. Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia. Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais também porque o sangue, que usamos tem pouca tinta. E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte Severina:

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que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte Severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina: a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a de tentar despertar terra sempre mais extinta, a de querer arrancar alguns roçado da cinza. Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença emigra. 
ENCONTRA DOIS HOMENS  CARREGANDO UM DEFUNTO NUMA  REDE, AOS GRITOS DE "Ó IRMÃOS DAS ALMAS! IRMÃOS DAS ALMAS! NÃO FUI  EU QUEM MATEI NÃO!"  
A quem estais carregando, irmãos das almas, embrulhado nessa rede? dizei que eu saiba. A um defunto de nada, irmão das almas, que há muitas horas viaja à sua morada. E sabeis quem era ele, irmãos das almas, sabeis como ele se chama ou se chamava? Severino Lavrador, irmão das almas, Severino Lavrador, mas já não lavra. — E de onde que o estais trazendo, irmãos das almas, onde foi que começou vossa jornada? — Onde a Caatinga é mais seca,

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irmão das almas, onde uma terra que não dá nem planta brava. — E foi morrida essa morte, irmãos das almas, essa foi morte morrida ou foi matada? — Até que não foi morrida, irmão das almas, esta foi morte matada, numa emboscada. — E o que guardava a emboscada, irmão das almas e com que foi que o mataram, com faca ou bala? — Este foi morto de bala, irmão das almas, mas garantido é de bala, mais longe vara. — E quem foi que o emboscou, irmãos das almas, quem contra ele soltou essa ave-bala? — Ali é difícil dizer, irmão das almas, sempre há uma bala voando desocupada. — E o que havia ele feito irmãos das almas, e o que havia ele feito contra a tal pássara? — Ter um hectare de terra, irmão das almas, de pedra e areia lavada que cultivava. — Mas que roças que ele tinha, irmãos das almas que podia ele plantar na pedra avara? — Nos magros lábios de areia, irmão das almas, os intervalos das pedras, plantava palha. — E era grande sua lavoura, irmãos das almas, lavoura de muitas covas, tão cobiçada? — Tinha somente dez quadras, irmão das almas, todas nos ombros da serra,

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nenhuma várzea. — Mas então por que o mataram, irmãos das almas, mas então por que o mataram com espingarda? — Queria mais espalhar-se, irmão das almas, queria voar mais livre essa ave-bala. — E agora o que passará, irmãos das almas, o que é que acontecerá contra a espingarda? — Mais campo tem para soltar, irmão das almas, tem mais onde fazer voar as filhas-bala. — E onde o levais a enterrar, irmãos das almas, com a semente do chumbo que tem guardada? — Ao cemitério de Torres, irmão das almas, que hoje se diz Toritama, de madrugada. — E poderei ajudar, irmãos das almas? vou passar por Toritama, é minha estrada. — Bem que poderá ajudar, irmão das almas, é irmão das almas quem ouve nossa chamada. — E um de nós pode voltar, irmão das almas, pode voltar daqui mesmo para sua casa. — Vou eu que a viagem é longa, irmãos das almas, é muito longa a viagem e a serra é alta. — Mais sorte tem o defunto irmãos das almas, pois já não fará na volta a caminhada. — Toritama não cai longe, irmãos das almas, seremos no campo santo de madrugada. — Partamos enquanto é noite irmãos das almas, que é o melhor lençol dos mortos noite fechada.

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O RETIRANTE TEM MEDO DE SE  EXTRAVIAR POR SEU GUIA, O RIO  APIBARIBE,  
— Antes de sair de casa aprendi a ladainha das vilas que vou passar na minha longa descida. Sei que há muitas vilas grandes, cidades que elas são ditas; sei que há simples arruados, sei que há vilas pequeninas, todas formando um rosário cujas contas fossem vilas, de que a estrada fosse a linha. Devo rezar tal rosário até o mar onde termina, saltando de conta em conta, passando de vila em vila. Vejo agora: não é fácil seguir essa ladainha; entre uma conta e outra conta, entre uma e outra ave-maria, há certas paragens brancas, de planta e bicho vazias, vazias até de donos, e onde o pé se descaminha. Não desejo emaranhar o fio de minha linha nem que se enrede no pêlo hirsuto desta caatinga. Pensei que seguindo o rio eu jamais me perderia: ele é o caminho mais certo, de todos o melhor guia. Mas como segui-lo agora que interrompeu a descida? Vejo que o Capibaribe, como os rios lá de cima, é tão pobre que nem sempre pode cumprir sua sina e no verão também corta, com pernas que não caminham. Tenho que saber agora qual a verdadeira via entre essas que escancaradas
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frente a mim se multiplicam. Mas não vejo almas aqui, nem almas mortas nem vivas; ouço somente à distância o que parece cantoria. Será novena de santo, será algum mês-de-Maria; quem sabe até se uma festa ou uma dança não seria? 
NA CASA A QUE O RETIRANTE CHEGA  ESTÃO CANTANDO EXCELÊNCIAS PARA  UM DEFUNTO, ENQUANTO UM HOMEM, DO LADO DE FORA, VAI  PARODIANDO A PALAVRAS DOS  CANTADORES  
— Finado Severino, quando passares em Jordão e o demônios te atalharem perguntando o que é que levas... — Dize que levas cera, capuz e cordão mais a Virgem da Conceição. — Finado Severino, etc... — Dize que levas somente coisas de não: fome, sede, privação. — Finado Severino, etc... — Dize que coisas de não, ocas, leves: como o caixão, que ainda deves. — Uma excelência dizendo que a hora é hora. — Ajunta os carregadores que o corpo quer ir embora. — Duas excelências... -...dizendo é a hora da plantação. — Ajunta os carreadores... -...que a terra vai colher a mão. 
CANSADO DA VIAGEM O RETIRANTE  ENSA INTERROMPÊ-LA POR UNS  NSTANTES E PROCURAR RABALHO ALI ONDE SE ENCONTRA.  
— Desde que estou retirando só a morte vejo ativa, só a morte deparei e às vezes até festiva;

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só a morte tem encontrado quem pensava encontrar vida, e o pouco que não foi morte foi de vida Severina (aquela vida que é menos vivida que defendida, e é ainda mais Severina para o homem que retira). Penso agora: mas por que parar aqui eu não podia e como Capibaribe interromper minha linha? ao menos até que as águas de uma próxima invernia me levem direto ao mar ao refazer sua rotina? Na verdade, por uns tempos, parar aqui eu bem podia e retomar a viagem quando vencesse a fadiga. Ou será que aqui cortando agora minha descida já não poderei seguir nunca mais em minha vida? (será que a água destes poços é toda aqui consumida pelas roças, pelos bichos, pelo sol com suas línguas? será que quando chegar o rio da nova invernia um resto de água no antigo sobrará nos poços ainda?) Mas isso depois verei: tempo há para que decida; primeiro é preciso achar um trabalho de que viva. Vejo uma mulher na janela, ali, que se não é rica, parece remediada ou dona de sua vida: vou saber se de trabalho poderá me dar notícia. 
DIRIGE-SE À MULHER NA JANELA QUE  DEPOIS, DESCOBRE TRATAR-SE DE  QUEM SE SABERÁ  
— Muito bom dia, senhora, que nessa janela está; 

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sabe dizer se é possível algum trabalho encontrar? — Trabalho aqui nunca falta a quem sabe trabalhar; o que fazia o compadre na sua terra de lá? — Pois fui sempre lavrador, lavrador de terra má; não há espécie de terra que eu não possa cultivar. — Isso aqui de nada adianta, pouco existe o que lavrar; mas diga-me, retirante, o que mais fazia por lá? — Também lá na minha terra de terra mesmo pouco há; mas até a calva da pedra sinto-me capaz de arar. — Também de pouco adianta, nem pedra há aqui que amassar; diga-me ainda, compadre, que mais fazias por lá? — Conheço todas as roças que nesta chã podem dar; o algodão, a mamona, a pita, o milho, o caroá. — Esses roçados o banco já não quer financiar; mas diga-me, retirante, o que mais fazia lá? — Melhor do que eu ninguém sei combater, quiçá, tanta planta de rapina que tenho visto por cá. — Essas plantas de rapina são tudo o que a terra dá; diga-me ainda, compadre que mais fazia por lá? — Tirei mandioca de chãs que o vento vive a esfolar e de outras escalavras pela seca faca solar. — Isto aqui não é Vitória nem é Glória do Goitá; e além da terra, me diga, que mais sabe trabalhar? — Sei também tratar de gado, entre urtigas pastorear; gado de comer do chão ou de comer ramas no ar.

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— Aqui não é Surubim nem Limoeiro, oxalá! mas diga-me, retirante, que mais fazia por lá? — Em qualquer das cinco tachas de um bangüê sei cozinhar; sei cuidar de uma moenda, de uma casa de purgar. — Com a vinda das usinas há poucos engenhos já; nada mais o retirante aprendeu a fazer lá? — Ali ninguém aprendeu outro ofício, ou aprenderá; mas o sol, de sol a sol, bem se aprende a suportar. — Mas isso então será tudo em que sabe trabalhar? vamos, diga, retirante, outras coisas saberá. — Deseja mesmo saber o que eu fazia por lá? comer quando havia o quê e, havendo ou não, trabalhar. — Essa vida por aqui é coisa familiar; mas diga-me retirante, sabe benditos rezar? sabe cantar excelências, defuntos encomendar? sabe tirar ladainhas, sabe mortos enterrar? — Já velei muitos defuntos, na serra é coisa vulgar; mas nunca aprendi as rezas, sei somente acompanhar. — Pois se o compadre soubesse rezar ou mesmo cantar, trabalhávamos a meias, que a freguesia bem dá. — Agora se me permite minha vez de perguntar: como senhora, comadre, pode manter o seu lar? — Vou explicar rapidamente, logo compreenderá: como aqui a morte é tanta, vivo de a morte ajudar. — E ainda se me permite que volte a perguntar:

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é aqui uma profissão trabalho tão singular? — É, sim, uma profissão, e a melhor de quantas há: sou de toda a região rezadora titular. — E ainda se me permite mais outra vez indagar: é boa essa profissão em que a comadre ora está? — De um raio de muitas léguas vem gente aqui me chamar; a verdade é que não pude queixar-me ainda de azar. — E se pela última vez me permite perguntar: não existe outro trabalho para mim nesse lugar? — Como aqui a morte é tanta, só é possível trabalhar nessas profissões que fazem da morte ofício ou bazar. Imagine que outra gente de profissão similar, farmacêuticos, coveiros, doutor de anel no anular, remando contra a corrente da gente que baixa ao mar, retirantes às avessas, sobem do mar para cá. Só os roçados da morte compensam aqui cultivar, e cultivá-los é fácil: simples questão de plantar; não se precisa de limpa, de adubar nem de regar; as estiagens e as pragas fazemos mais prosperar; e dão lucro imediato; nem é preciso esperar pela colheita: recebe-se na hora mesma de semear 
O RETIRANTE CHEGA À ZONA DA MATA,  QUE O FAZ PENSAR, OUTRA VEZ, EM  INTERROMPER A VIAGEM.  
— Bem me diziam que a terra se faz mais branda e macia 

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quando mais do litoral a viagem se aproxima. Agora afinal cheguei nesta terra que diziam. Como ela é uma terra doce para os pés e para a vista. Os rios que correm aqui têm água vitalícia. Cacimbas por todo lado; cavando o chão, água mina. Vejo agora que é verdade o que pensei ser mentira Quem sabe se nesta terra não plantarei minha sina? Não tenho medo de terra (cavei pedra toda a vida), e para quem lutou a braço contra a piçarra da Caatinga será fácil amansar esta aqui, tão feminina. Mas não avisto ninguém, só folhas de cana fina; somente ali à distância aquele bueiro de usina; somente naquela várzea um bangüê velho em ruína. Por onde andará a gente que tantas canas cultiva? Feriando: que nesta terra tão fácil, tão doce e rica, não é preciso trabalhar todas as horas do dia, os dias todos do mês, os meses todos da vida. Decerto a gente daqui jamais envelhece aos trinta nem sabe da morte em vida, vida em morte, Severina; e aquele cemitério ali, branco de verde colina, decerto pouco funciona e poucas covas aninha. 
ASSISTE AO ENTERRO DE UM  TRABALHADOR DE EITO E OUVE O QUE  DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O LEVARAM AO CEMITÉRIO  
— Essa cova em que estás, 

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com palmos medida, é a cota menor que tiraste em vida. — É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe neste latifúndio. — Não é cova grande. é cova medida, é a terra que querias ver dividida. — É uma cova grande para teu pouco defunto, mas estarás mais ancho que estavas no mundo. — É uma cova grande para teu defunto parco, porém mais que no mundo te sentirás largo. — É uma cova grande para tua carne pouca, mas a terra dada não se abre a boca. — Viverás, e para sempre na terra que aqui aforas: e terás enfim tua roça. — Aí ficarás para sempre, livre do sol e da chuva, criando tuas saúvas. — Agora trabalharás só para ti, não a meias, como antes em terra alheia. — Trabalharás uma terra da qual, além de senhor, serás homem de eito e trator. — Trabalhando nessa terra, tu sozinho tudo empreitas: serás semente, adubo, colheita. — Trabalharás numa terra que também te abriga e te veste: embora com o brim do Nordeste. — Será de terra tua derradeira camisa: te veste, como nunca em vida. — Será de terra a tua melhor camisa: te veste e ninguém cobiça. — Terás de terra completo agora o teu fato: e pela primeira vez, sapato.

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— Como és homem, a terra te dará chapéu: fosses mulher, xale ou véu. — Tua roupa melhor será de terra e não de fazenda: não se rasga nem se remenda. — Tua roupa melhor e te ficará bem cingida: como roupa feita à medida. — Esse chão te é bem conhecido (bebeu teu suor vendido). — Esse chão te é bem conhecido (bebeu o moço antigo) — Esse chão te é bem conhecido (bebeu tua força de marido). — Desse chão és bem conhecido (através de parentes e amigos). — Desse chão és bem conhecido (vive com tua mulher, teus filhos) — Desse chão és bem conhecido (te espera de recém-nascido). — Não tens mais força contigo: deixa-te semear ao comprido. — Já não levas semente viva: teu corpo é a própria maniva. — Não levas rebolo de cana: és o rebolo, e não de caiana. — Não levas semente na mão: és agora o próprio grão. — Já não tens força na perna: deixa-te semear na corveta. — Já não tens força na mão: deixa-te semear no leirão. — Dentro da rede não vinha nada, só tua espiga debulhada. — Dentro da rede vinha tudo, só tua espiga no sabugo. — Dentro da rede coisa vasqueira, só a maçaroca banguela. — Dentro da rede coisa pouca, tua vida que deu sem soca. — Na mão direita um rosário, milho negro e ressecado. — Na mão direita somente o rosário, seca semente. — Na mão direita, de cinza, o rosário, semente maninha, — Na mão direita o rosário, semente inerte e sem salto. — Despido vieste no caixão,

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despido também se enterra o grão. — De tanto te despiu a privação que escapou de teu peito à viração. — Tanta coisa despiste em vida que fugiu de teu peito a brisa. — E agora, se abre o chão e te abriga, lençol que não tiveste em vida. — Se abre o chão e te fecha, dando-te agora cama e coberta. — Se abre o chão e te envolve, como mulher com que se dorme. 
O RETIRANTE RESOLVE APRESSAR OS  PASSOS PARA CHEGAR LOGO AO  RECIFE  
— Nunca esperei muita coisa, digo a Vossas Senhorias. O que me fez retirar não foi a grande cobiça; o que apenas busquei foi defender minha vida de tal velhice que chega antes de se inteirar trinta; se na serra vivi vinte, se alcancei lá tal medida, o que pensei, retirando, foi estendê-la um pouco ainda. Mas não senti diferença entre o Agreste e a Caatinga, e entre a Caatinga e aqui a Mata a diferença é a mais mínima. Está apenas em que a terra é por aqui mais macia; está apenas no pavio, ou melhor, na lamparina: pois é igual o querosene que em toda parte ilumina, e quer nesta terra gorda quer na serra, de caliça, a vida arde sempre com a mesma chama mortiça. Agora é que compreendo por que em paragens tão ricas o rio não corta em poços como ele faz na Caatinga: vive a fugir dos remansos a que a paisagem o convida, com medo de se deter, grande que seja a fadiga.

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Sim, o melhor é apressar o fim desta ladainha, o fim do rosário de nomes que a linha do rio enfia; é chegar logo ao Recife, derradeira ave-maria do rosário, derradeira invocação da ladainha, Recife, onde o rio some e esta minha viagem se fina. 
CHEGANDO AO RECIFE O RETIRANTE  SENTA-SE PARA DESCANSAR AO PÉ DE  UM MURO ALTO E CAIADO E OUVE, SEM SER NOTADO, A CONVERSA  DE DOIS COVEIROS  
— O dia hoje está difícil; não sei onde vamos parar. Deviam dar um aumento, ao menos aos deste setor de cá. As avenidas do centro são melhores, mas são para os protegidos: há sempre menos trabalho e gorjetas pelo serviço; e é mais numeroso o pessoal (toma mais tempo enterrar os ricos). — pois eu me daria por contente se me mandassem para cá. Se trabalhasses no de Casa Amarela não estarias a reclamar. De trabalhar no de Santo Amaro deve alegrar-se o colega porque parece que a gente que se enterra no de Casa Amarela está decidida a mudar-se toda para debaixo da terra. — É que o colega ainda não viu o movimento: não é o que se vê. Fique-se por aí um momento e não tardarão a aparecer os defuntos que ainda hoje vão chegar (ou partir, não sei). As avenidas do centro, onde se enterram os ricos, são como o porto do mar; não é muito ali o serviço: no máximo um transatlântico chega ali cada dia, 

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com muita pompa, protocolo, e ainda mais cenografia. Mas este setor de cá é como a estação dos trens: diversas vezes por dia chega o comboio de alguém. — Mas se teu setor é comparado à estação central dos trens, o que dizer de Casa Amarela onde não para o vaivém? Pode ser uma estação mas não estação de trem: será parada de ônibus, com filas de mais de cem. — Então por que não pedes, já que és de carreira, e antigo, que te mandem para Santo Amaro se achas mais leve o serviço? Não creio que te mandassem para as belas avenidas onde estão os endereços e o bairro da gente fina: isto é, para o bairro dos usineiros, dos políticos, dos banqueiros, e no tempo antigo, dos bangüezeiros (hoje estes se enterram em carneiros); bairro também dos industriais, dos membros das associações patronais e dos que foram mais horizontais nas profissões liberais. Difícil é que consigas aquele bairro, logo de saída. — Só pedi que me mandasse para as urbanizações discretas, com seus quarteirões apertados, com suas cômodas de pedra. — Esse é o bairro dos funcionários, inclusive extranumerários, contratados e mensalistas (menos os tarefeiros e diaristas). Para lá vão os jornalistas, os escritores, os artistas; ali vão também os bancários, as altas patentes dos comerciários, os lojistas, os boticários, os localizados aeroviários e os de profissões liberais que não se libertaram jamais. — Também um bairro dessa gente 

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temos no de Casa Amarela: cada um em seu escaninho, cada um em sua gaveta, com o nome aberto na lousa quase sempre em letras pretas. Raras as letras douradas, raras também as gorjetas. — Gorjetas aqui, também, só dá mesmo a gente rica, em cujo bairro não se pode trabalhar em mangas de camisa; onde se exige quepe e farda engomada e limpa. — Mas não foi pelas gorjetas, não, que vim pedir remoção: é porque tem menos trabalho que quero vir para Santo Amaro; aqui ao menos há mais gente para atender a freguesia, para botar a caixa cheia dentro da caixa vazia. — E que disse o Administrador, se é que te deu ouvido? — Que quando apareça a ocasião atenderá meu pedido. — E do senhor Administrador isso foi tudo que arrancaste? — No de Casa Amarela me deixou mas me mudou de arrabalde. — E onde vais trabalhar agora, qual o subúrbio que te cabe? — Passo para o dos industriários, que também é o dos ferroviários, de todos os rodoviários e praças-de-pré dos comerciários. — Passas para o dos operários, deixas o dos pobres vários; melhor: não são tão contagiosos e são muito menos numerosos. — É, deixo o subúrbio dos indigentes onde se enterra toda essa gente que o rio afoga na preamar e sufoca na baixa-mar. — É a gente sem instituto, gente de braços devolutos; são os que jamais usam luto e se enterram sem salvo-conduto. — É a gente dos enterros gratuitos e dos defuntos ininterruptos. — É a gente retirante

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que vem do Sertão de longe. — Desenrolam todo o barbante e chegam aqui na jante. — E que então, ao chegar, não tem mais o que esperar. — Não podem continuar pois têm pela frente o mar. — Não têm onde trabalhar e muito menos onde morar. — E da maneira em que está não vão ter onde se enterrar. — Eu também, antigamente, fui do subúrbio dos indigentes, e uma coisa notei que jamais entenderei: essa gente do Sertão que desce para o litoral, sem razão, fica vivendo no meio da lama, comendo os siris que apanha; pois bem: quando sua morte chega, temos que enterrá-los em terra seca. — Na verdade, seria mais rápido e também muito mais barato que os sacudissem de qualquer ponte dentro do rio e da morte. — O rio daria a mortalha e até um macio caixão de água; e também o acompanhamento que levaria com passo lento o defunto ao enterro final a ser feito no mar de sal. — E não precisava dinheiro, e não precisava coveiro, e não precisava oração e não precisava inscrição. — Mas o que se vê não é isso: é sempre nosso serviço crescendo mais cada dia; morre gente que nem vivia. — E esse povo de lá de riba de Pernambuco, da Paraíba, que vem buscar no Recife poder morrer de velhice, encontra só, aqui chegando, cemitério esperando. — Não é viagem o que fazem vindo por essas caatingas, vargens; aí está o seu erro: vêm é seguindo seu próprio enterro 

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O RETIRANTE APROXIMA-SE DE UM DOS  CAIS DO CAPIBARIBE  
— Nunca esperei muita coisa, é preciso que eu repita. Sabia que no rosário de cidade e de vilas, e mesmo aqui no Recife ao acabar minha descida, não seria diferente a vida de cada dia: que sempre pás e enxadas foices de corte e capina, ferros de cova, estrovengas o meu braço esperariam. Mas que se este não mudasse seu uso de toda vida, esperei, devo dizer, que ao menos aumentaria na quartinha, a água pouca, dentro da cuia, a farinha, o algodãozinho da camisa, ao meu aluguel com a vida. E chegando, aprendo que, nessa viagem que eu fazia, sem saber desde o Sertão, meu próprio enterro eu seguia. Só que devo ter chegado adiantado de uns dias; o enterro espera na porta: o morto ainda está com vida. A solução é apressar a morte a que se decida e pedir a este rio, que vem também lá de cima, que me faça aquele enterro que o coveiro descrevia: caixão macio de lama, mortalha macia e líquida, coroas de baronesa junto com flores de anhinga, e aquele acompanhamento de água que sempre desfila (que o rio, aqui no Recife, não seca, vai toda a vida). 
APROXIMA-SE DO RETIRANTE O  MORADOR DE UM DOS MOCAMBOS QUE  EXISTEM ENTRE O CAIS E A ÁGUA DO RIO 

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— Seu José, mestre carpina, que habita este lamaçal, sabes me dizer se o rio a esta altura dá vau? sabes me dizer se é funda esta água grossa e carnal? — Severino, retirante, jamais o cruzei a nado; quando a maré está cheia vejo passar muitos barcos, barcaças, alvarengas, muitas de grande calado. — Seu José, mestre carpina, para cobrir corpo de homem não é preciso muito água: basta que chega o abdome, basta que tenha fundura igual à de sua fome. — Severino, retirante pois não sei o que lhe conte; sempre que cruzo este rio costumo tomar a ponte; quanto ao vazio do estômago, se cruza quando se come. — Seu José, mestre carpina, e quando ponte não há? quando os vazios da fome não se tem com que cruzar? quando esses rios sem água são grandes braços de mar? — Severino, retirante, o meu amigo é bem moço; sei que a miséria é mar largo, não é como qualquer poço: mas sei que para cruzá-la vale bem qualquer esforço. — Seu José, mestre carpina, e quando é fundo o perau? quando a força que morreu nem tem onde se enterrar, por que ao puxão das águas não é melhor se entregar? — Severino, retirante, o mar de nossa conversa precisa ser combatido, sempre, de qualquer maneira, porque senão ele alarga e devasta a terra inteira. — Seu José, mestre carpina, e em que nos faz diferença

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que como frieira se alastre, ou como rio na cheia, se acabamos naufragados num braço do mar miséria? — Severino, retirante, muita diferença faz entre lutar com as mãos e abandoná-las para trás, porque ao menos esse mar não pode adiantar-se mais. — Seu José, mestre carpina, e que diferença faz que esse oceano vazio cresça ou não seus cabedais se nenhuma ponte mesmo é de vencê-lo capaz? — Seu José, mestre carpina, que lhe pergunte permita: há muito no lamaçal apodrece a sua vida? e a vida que tem vivido foi sempre comprada à vista? — Severino, retirante, sou de Nazaré da Mata, mas tanto lá como aqui jamais me fiaram nada: a vida de cada dia cada dia hei de comprá-la. — Seu José, mestre carpina, e que interesse, me diga, há nessa vida a retalho que é cada dia adquirida? espera poder um dia comprá-la em grandes partidas? — Severino, retirante, não sei bem o que lhe diga: não é que espere comprar em grosso tais partidas, mas o que compro a retalho é, de qualquer forma, vida. — Seu José, mestre carpina, que diferença faria se em vez de continuar tomasse a melhor saída: a de saltar, numa noite, fora da ponte e da vida? 
UMA MULHER, DA PORTA DE ONDE SAIU  O HOMEM, ANUNCIA-LHE O QUE SE  VERÁ 

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— Compadre José, compadre, que na relva estais deitado: conversais e não sabeis que vosso filho é chegado? Estais aí conversando em vossa prosa entretida: não sabeis que vosso filho saltou para dentro da vida? Saltou para dento da vida ao dar o primeiro grito; e estais aí conversando; pois sabeis que ele é nascido. 
APARECEM E SE APROXIMAM DA CASA  DO HOMEM VIZINHOS, AMIGOS, DUAS  CIGANAS, ETC  
— Todo o céu e a terra lhe cantam louvor. Foi por ele que a maré esta noite não baixou. — Foi por ele que a maré fez parar o seu motor: a lama ficou coberta e o mau-cheiro não voou. — E a alfazema do sargaço, ácida, desinfetante, veio varrer nossas ruas enviada do mar distante. — E a língua seca de esponja que tem o vento terral veio enxugar a umidade do encharcado lamaçal. — Todo o céu e a terra lhe cantam louvor e cada casa se torna num mocambo sedutor. — Cada casebre se torna no mocambo modelar que tanto celebram os sociólogos do lugar. — E a banda de maruins que toda noite se ouvia por causa dele, esta noite, creio que não irradia. — E este rio de água, cega, ou baça, de comer terra, que jamais espelha o céu, hoje enfeitou-se de estrelas. 

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COMEÇAM A CHEGAR PESSOAS  TRAZENDO PRESENTES PARA O RECÉM- NASCIDO  
— Minha pobreza tal é que não trago presente grande: trago para a mãe caranguejos pescados por esses mangues; mamando leite de lama conservará nosso sangue. — Minha pobreza tal é que coisa alguma posso ofertar: somente o leite que tenho para meu filho amamentar; aqui todos são irmãos, de leite, de lama, de ar. — Minha pobreza tal é que não tenho presente melhor: trago este papel de jornal para lhe servir de cobertor; cobrindo-se assim de letras vai um dia ser doutor. — Minha pobreza tal é que não tenho presente caro: como não posso trazer um olho d'água de Lagoa do Cerro, trago aqui água de Olinda, água da bica do Rosário. — Minha pobreza tal é que grande coisa não trago: trago este canário da terra que canta sorrindo e de estalo. — Minha pobreza tal é que minha oferta não é rica: trago daquela bolacha d'água que só em Paudalho se fabrica. — Minha pobreza tal é que melhor presente não tem: dou este boneco de barro de Severino de Tracunhaém. — Minha pobreza tal é que pouco tenho o que dar: dou da pitu que o pintor Monteiro fabricava em Gravatá. — Trago abacaxi de Goiana e de todo o Estado rolete de cana. — Eis ostras chegadas agora, apanhadas no cais da Aurora. — Eis tamarindos da Jaqueira 

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e jaca da Tamarineira. — Mangabas do Cajueiro e cajus da Mangabeira. — Peixe pescado no Passarinho, carne de boi dos Peixinhos. — Siris apanhados no lamaçal que já no avesso da rua Imperial. — Mangas compradas nos quintais ricos do Espinheiro e dos Aflitos. — Goiamuns dados pela gente pobre da Avenida Sul e da Avenida Norte. 
FALAM AS DUAS CIGANAS QUE HAVIAM  APARECIDO COM OS VIZINHOS  
— Atenção peço, senhores, para esta breve leitura: somos ciganas do Egito, lemos a sorte futura. Vou dizer todas as coisas que desde já posso ver na vida desse menino acabado de nascer: aprenderá a engatinhar por aí, com aratus, aprenderá a caminhar na lama, como goiamuns, e a correr o ensinarão os anfíbios caranguejos, pelo que será anfíbio como a gente daqui mesmo. Cedo aprenderá a caçar: primeiro, com as galinhas, que é catando pelo chão tudo o que cheira a comida; depois, aprenderá com outras espécies de bichos: com os porcos nos monturos, com os cachorros no lixo. Vejo-o, uns anos mais tarde, na ilha do Maruim, vestido negro de lama, voltar de pescar siris; e vejo-o, ainda maior, pelo imenso lamarão fazendo dos dedos iscas para pescar camarão. — Atenção peço, senhores, também para minha leitura: também venho dos Egitos, 

 26
vou completar a figura. Outras coisas que estou vendo é necessário que eu diga: não ficará a pescar de jereré toda a vida. Minha amiga se esqueceu de dizer todas as linhas; não pensem que a vida dele há de ser sempre daninha. Enxergo daqui a planura que é a vida do homem de ofício, bem mais sadia que os mangues, tenha embora precipícios. Não o vejo dentro dos mangues, vejo-o dentro de uma fábrica: se está negro não é lama, é graxa de sua máquina, coisa mais limpa que a lama do pescador de maré que vemos aqui vestido de lama da cara ao pé. E mais: para que não pensem que em sua vida tudo é triste, vejo coisa que o trabalho talvez até lhe conquiste: que é mudar-se destes mangues daqui do Capibaribe para um mocambo melhor nos mangues do Beberibe. 
FALAM OS VIZINHOS, AMIGOS, PESSOAS  QUE VIERAM COM PRESENTES, ETC  
— De sua formosura já venho dizer: é um menino magro, de muito peso não é, mas tem o peso de homem, de obra de ventre de mulher. — De sua formosura deixai-me que diga: é uma criança pálida, é uma criança franzina, mas tem a marca de homem, marca de humana oficina. — Sua formosura deixai-me que cante: é um menino guenzo como todos os desses mangues, 

 27
mas a máquina de homem já bate nele, incessante. — Sua formosura eis aqui descrita: é uma criança pequena, encrenque e setemesinha, mas as mãos que criam coisas nas suas já se adivinha. — De sua formosura deixai-me que diga: é belo como o coqueiro que vence a areia marinha. — De sua formosura deixai-me que diga: belo como o avelós contra o Agreste de cinza. — De sua formosura deixai-me que diga: belo como a palmatória na caatinga sem saliva. — De sua formosura deixai-me que diga: é tão belo como um sim numa sala negativa. — É tão belo como a soca que o canavial multiplica. — Belo porque é uma porta abrindo-se em mais saídas. — Belo como a última onda que o fim do mar sempre adia. — É tão belo como as ondas em sua adição infinita. — Belo porque tem do novo a surpresa e a alegria. — Belo como a coisa nova na prateleira até então vazia. — Como qualquer coisa nova inaugurando o seu dia. — Ou como o caderno novo quando a gente o principia. — E belo porque o novo todo o velho contagia. — Belo porque corrompe com sangue novo a anemia. — Infecciona a miséria com vida nova e sadia. — Com oásis, o deserto, com ventos, a calmaria.  

 28
O CARPINA FALA COM O RETIRANTE  QUE ESTEVE DE FORA, SEM TOMAR  PARTE DE NADA  
— Severino, retirante, deixe agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida; nem conheço essa resposta, se quer mesmo que lhe diga é difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê, Severina mas se responder não pude à pergunta que fazia, ela, a vida, a respondeu com sua presença viva. E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida; mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida; como a de há pouco, franzina; mesmo quando é a explosão de uma vida Severina.      
FIM

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

AURORA - Murder Song (5, 4, 3, 2, 1)

Aline Frazão - "Insular" [Videoclip]





"Insular" (editado por NorteSul) é nome do terceiro disco de Aline Frazão. O álbum chegou às lojas em 20 de Novembro de 2015.


Realização: Pablo Blanco | Produção: Filipa Santos e Aline Frazão | Direcção de Fotografia e Câmara: Dinis Santos | Edição: Pablo Blanco | Agradecimentos: Concelharia de Cultura de Fisterra, Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade de Santiago de Compostela, Mário Bastos, Bruno Martins, Ana Bela Frazão, Anabela Cruz, Francisco Vasconcelos, Kamy, Sabela, Pichel, Bea, Fonso, Matilda, Sofia, Luca.

"Insular" edited in Portugal by Norte Sul, Ed. Valentim de Carvalho (2015)

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

MÁRCIA - A INSATISFAÇÃO (vídeo oficial)



1º single do novo disco Quarto Crescente (Junho 2015)


A Insatisfação


Escrita fina
quando corre ensina
não dura um deserto que atravesse
Pode ir sendo
que demore um tempo
mais tarde ou mais cedo
lá me acerto

Na lembrança
o meu céu de criança
a quem nunca se entrega um tom cinzento
por momentos
vem num pensamento
e uma nuvem chove cá por dentro

Quase nada
(experimento o céu de negro que há de norte a sul
nunca me conforma
(prometo-me a mim mesma mais de céu azul)
a insatisfação
(temo que haja pouco pra me contentar)
nunca me abandona
(mas nada me impede de tentar)

Porque tento
andar atrás no tempo
e entender a chuva que acontece?
Como por magia
há sempre um novo dia
e outra Lua Nova que anoitece
Se a madrugada traz uma canção
pouco importa que me insista hoje em "dia não"
tomei o meu fastidio pra me atormentar
pedras no meu trilho são pra me assentar

Quase nada
(experimento o céu de negro que há de norte a sul
nunca me conforma
(prometo-me a mim mesma mais de céu azul)
a insatisfação
(temo que haja pouco pra me contentar)
nunca me abandona
(mas nada me impede de tentar)

Mesmo transformando em nosso o que era meu
se és a sorte do caminho que a vida escolheu
Canta que me afina, faz-nos avançar
premeia-me o destino por te ver dançar

Quando acordar do sono que eu escolhi
quero ter no meu cantinho sempre mais de ti
cada rosa, cada espinho que tanto cresceu
mesmo quando venham pra nublar-me o céu.


Quase nada
(experimento o céu de negro que há de norte a sul
nunca me conforma
(prometo-me a mim mesma mais de céu azul)
a insatisfação
(temo que haja pouco pra me contentar)
nunca me abandona
(mas nada me impede de tentar)



MÚSICA E LETRA - Márcia
Márcia - Voz, coros
Zé Kiko Moreira – Bateria
Dadi – Baixo, teclados e guitarra eléctrica
Filipe C. Monteiro – guitarra acústica e eléctrica.
Manuel Dordio – guitarra eléctrica
Márcia, Filipe C. Monteiro, Zé Pedro Leitão - palmas



ARGUMENTO E REALIZAÇÃO - Filipe Cunha Monteiro
PRODUÇÃO - Filipe Cunha Monteiro, António Marinho (Warner Music Portugal)
DIRECÇÃO DE FOTOGRAFIA - Ricardo Magalhães
CAMERAS - Ricardo Magalhães, Filipe Cunha Monteiro
MAKE UP - Sónia Pessoa, Márcia
EDIÇÃO E PÓS PRODUÇÃO - Filipe Cunha Monteiro

AGRADECIMENTOS:

SIC
Rodrigo Guedes de Carvalho
RTP
Eyeworks
Nuno Markl
Samuel Úria
Deolinda
Vasco Palmeirim
Augusta Babo
Joana Faria, Sérgio Pires e Maria Faria
Filipe Rebelo

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

vasco de lima couto_retrato



RETRATO

Fui só eu que estraguei as alvoradas
- presas suaves nos plúmbeos céus!,
e dei água aos ribeiros da minha alma
e fiz preces de amor e sangue, a Deus...

Fui só eu que, sabendo da tormenta
que o vento da nortada me dizia,
puz meus lábios no sonho incompleto
e rasguei o meu corpo na poesia.

Vieram dar-me abraços e contentes
viram que me afundava sem remédio
- nem um grito subia do horizonte
há mil anos deitado sobre o tédio!

Quando chamaram por mim do imenso rio
que a noite veste para se entreter
vi que os barcos andavam cheios de almas
buscando sonhos para não sofrer.

Cantavam doidas como a dor e a morte
parando, a espaços, para ver montanhas
e eram luzes mordidas pelas sombras,
corajosas, infelizes - mas tamanhas!

Eu fugi de as ouvir (que ardentes vozes...)
de navegar nas mesmas ansiedades
e fui sozinho semear as luas
e a natureza inculta das idades.

Parti, negando à vida o seu direito,
recalcando os meus sonhos e os meus medos...

sei agora que matei o meu destino
e quebrei o futuro nos meus dedos.

Vasco de Lima Couto,
in: "Os Olhos e o Silêncio" - 1952

sábado, 31 de outubro de 2015

José Afonso - Baladas e Canções LP_1964



  • Canção Longe

  • Os Bravos

  • Balada Aleixo

  • Balada do Outono

  • Trovas Antigas

  • Na Fonte Está Lianor

  • Minha Mãe

  • Altos Castelos

  • O Pastor de Bensafrim

  • Canto da Primavera

  • Elegia

  • Ronda dos Paisanos






  • quarta-feira, 7 de outubro de 2015

    Mariza - Paixão





    Primeiro vídeo do novo álbum, "Mundo", com edição a 9 de Outubro.
    --
    First video of the new recordo, "Mundo", to be released on October 9.

    Música/Music - Jorge Fernando
    Produtora/Producer - Garage Films
    Realizador/Director - Ernesto Bacalhau

    Carlos de Oliveira_Descrição da guerra em Guernica


    Descrição da guerra em Guernica

       
    I

    Entra pela janela
    o anjo camponês;
    com a terceira luz na mão;
    minucioso, habituado
    aos interiores de cereal,
    aos utensílios
    que dormem na fuligem;
    os seus olhos rurais
    não compreendem bem os símbolos
    desta colheita: hélices,
    motores furiosos;
    e estende mais o braço; planta
    no ar, como uma árvore,
    a chama do candeeiro.


    II

    As outras duas luzes
    são lisas, ofuscantes;
    lembram a cal, o zinco branco
    nas pedreiras;
    ou nos umbrais
    de cantaria aparelhada; bruscamente;
    a arder; há o mesmo
    branco na lâmpada do tecto;
    o mesmo zinco
    nas máquinas que voam
    fabricando o incêndio; e assim,
    por toda parte,
    a mesma cal mecânica
    vibra os seus cutelos.


    III

    Ao alto; à esquerda;
    onde aparece
    a linha da garganta,
    a curva distendida como
    o gráfico dum grito;
    o som é impossível; impede-o pelo menos
    o animal fumegante;
    com o peso das patas, com os longos
    músculos negros; sem esquecer
    o sal silencioso
    no outro coração:
    por cima dele; inútil; a mão desta
    mulher de joelhos
    entre as pernas do touro.


    IV

    Em baixo, contra o chão
    de tijolo queimado,
    os fragmentos duma estátua;
    ou o construtor da casa
    já sem fio de prumo,
    barro, sestas pobres? quem
    tentou salvar o dia,
    o seu resíduo
    de gente e poucos bens? opor
    à química da guerra,
    aos reagentes dissolvendo
    a construção, as traves,
    este gládio,
    esta palavra arcaica?


    V

    Mesa, madeira posta
    próximo dos homens: pelo corte
    da plaina,
    a lixa ríspida,
    a cera sobre o betume, os nós;
    e dedos tacteando
    as últimas rugosidades;
    morosamente; com o amor
    do carpinteiro ao objecto
    que nasceu
    para viver na casa;
    no sítio destinado há muito;
    como se fosse, quase,
    uma criança da família.


    VI

    O pássaro; a sua anatomia
    rápida; forma cheia de pressa,
    que se condensa
    apenas o bastante
    para ser visível no céu,
    sem o ferir;
    modelo doutros voos: nuvens;
    e vento leve, folhas;
    agora, atônito, abra as asas
    no deserto da mesa;
    tenta gritar às falsas aves
    que a morte é diferente:
    cruzar o céu com a suavidade
    dum rumor e sumir-se.


    VII

    Cavalo; reprodutor
    de luz nos prados; quando
    respira, os brônquios;
    dois frêmitos de soro; exalam
    essa névoa
    que o primeiro sol transforma
    numa crina trémula
    sobre pastos e éguas; mas aqui
    marcou-o o ferro
    dos lavradores que o anjo ignora;
    e endureceu-o de tal modo
    que se entrega;
    como as bestas bíblicas;
    ao tétano, ao furor.


    VIII

    Outra mulher: o susto
    a entrar no pesadelo;
    oprime-a o ar; e cada passo
    é apenas peso: seios
    donde os mamilos pendem,
    gotas duras
    de leite e medo; quase pedras;
    memória tropeçando
    em árvores, parentes,
    num descampado vagaroso;
    e amor também:
    espécie de peso que produz
    por dentro da mulher
    os mesmos passos densos.


    IX

    Casas desidratadas
    no alto forno; e olhando-as,
    momentos antes de ruírem,
    o anjo desolado
    pensa: entre detritos
    sem nenhum cerne ou água,
    como anunciar
    outra vez o milagre das salas;
    dos quartos; crescendo cisco
    a cisco, filho a filho?
    as máquinas estranhas,
    os motores com sede, nem sequer
    beberam o espírito das minhas casas;
    evaporaram-no apenas.


    X

    O incêndio desce;
    do canto superior direito;
    sobre os sótãos,
    os degraus das escadas
    a oscilar;
    hélices, vibrações, percutem os alicerces;
    e o fogo, veloz agora, fende-os, desmorona
    toda a arquitectura;
    as paredes áridas desabam
    mas o seu desenho
    sobrevive no ar; sustém-no
    a terceira mulher; a última; com os braços
    erguidos; com o suor da estrela
    tatuada na testa.



    Carlos de Oliveira

     
     


    Carlos de Oliveira_Nas colinas de António Machado




    Nas colinas de António Machado




    I

    Na crista das colinas
    sem neve, a pedra; o seu esmeril;
    aguça mais a luz:
    como dormir
    com estas flechas
    brancas na memória?
    flechas de catedrais;
    como esquecer
    este rumor de vidro e algodão
    no céu? poema escrito
    entre uma aresta e um gume,
    entra nas veias, fere:
    agulha de morfina fria;
    como arde este cristal?


    II

    Fogo, fulgor
    das veias fatigadas
    subindo à pedra; à luz;
    à neve
    por cair;
    estrutura imóvel refractando
    que chama interior?
    petrificando que mineral humano
    apenas esboçado?
    nenhuma eternidade
    se concebe melhor;
    nenhuma estrela;
    nenhum fulgor perseverante
    como o deste cristal.


    III

    As nuvens descem;
    ou o paradouro sobe da colina, da prata;
    colina plateada; ou voga
    no ar o tuinal
    ainda turvo; ou a pré-atmosfera
    do sono se anuncia
    no halo inquieto
    onde a neve começa
    a ganhar peso
    pouco a pouco; ou piso-a já
    fechando os olhos: ou o seu filtro
    me purifica; ou nada disto: o feltro
    da insónia apenas; a polir
    por dentro este cristal.


    IV

    Move-se a esfera,
    quase imperceptível; pedra aérea:
    colinas ascendendo
    em torno de mim,
    eixo do mundo; mais veloz,
    a rotação arrasta as lâminas da luz,
    tritura-as, espalha-as
    como chuva
    num esplendor de fósforo; afinal,
    a neve é isto: pedra
    em flocos; o seu brilho de mica;
    o seu regresso à terra; quando
    o movimento cessa e coalha
    o som deste cristal.


    V

    Nenhum revérbero
    agora; superfície,
    serenidade; mas
    na coroa circular, melhor, no horizonte
    de rocha, pulsa ainda
    um fogo fátuo:
    xisto, sílica, trazidos
    de minas profundíssimas; e nele
    a cinza à espera
    do vento árido, sem pólen,
    que fende o céu
    esterilmente: cálice vazio;
    ou cheio de silêncio; mas
    cálice, cristal.


    Carlos de Oliveira

    sexta-feira, 2 de outubro de 2015

    The Best of the Doors Full Album



    00:00 - Riders On The Storm 07:15 - Light My Fire 14:21 - Love Me Two Times 17:37 - Roadhouse Blues (Live) 22:11 - Strange Days 25:19 - Break On Through 27:47 - Five To One 32:14 - Moonlight Drive 35:16 - Alabama Song 38:36 - Love Her Madly 41:55 - People Are Strange 44:06 - Touch Me 47:19 - Back Door Man 50:53 - The Unknown Soldier 54:16 - L.A. Woman 1:02:07 - Hello, I Love You 1:04:23 - The End

    segunda-feira, 28 de setembro de 2015

    DEAD COMBO "Povo Que Cais Descalço"





    "Um país abandonado, deixado à mercê de um destino que não se vislumbra no horizonte. Um povo descalço, que cai a cada passo que dá, empurrado por uma gigantesca mão feita de aço. Paisagens inóspitas arrancadas, à força, do coração de que é feito esta gente. Um coração que bate, forte, indestrutível. O povo que cai, mas que se ergue sempre após cada queda e continua a caminhar. O povo que é o país, o povo que somos nós. Todos." Dead Combo

    Realizado por / Directed by:
    Daniel Costa Neves

    Produzido por / Produced by:
    Daniel Costa Neves / Dead Combo / Paulo Pato

    Agradecimentos / Thanks to:
    Ainhoa Vidal, Hélder Nelson, José André e Carlos Almeida (Irmã Lúcia SFX), Julia Doesch, Kilito, Lydie Bárbara & João Figueiras (Blackmaria Produções), Mário Melo Costa, Pedro Diniz Reis, Pelouro da Cultura da C.M. Braga, Polícia Municipal de Braga e Theatro Circo de Braga.

    2014 © Daniel Costa Neves / Dead Combo

    www.deadcombo.net
    www.danielcostaneves.com

    sexta-feira, 18 de setembro de 2015

    Ruy Belo :: Morte ao meio-dia / Dito por Mário Viegas






    Ruy Belo (1933-1978)
    "Morte ao meio-dia" in «Boca Bilingue» (1966).

    Dito por Mário Viegas in «Humores», Disco 2, lado A (1980). Mário Viegas recita aqui a versão definitiva do poema, publicada no Vol. I da «Obra Poética de Ruy Belo» (1972), onde foi interpolada a estrofe iniciada por "O português paga calado cada prestação".

    Música: Max Richter, "What had they done?" in «Waltz with Bashir. OST» (2008).

    Em diversas línguas europeias a palavra "meio-dia" permite também designar o Sul geográfico. Tal foi o ponto de partida deste vídeo.

    A frase de abertura é retirada de «A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer», da autoria do escritor sueco Stig Dagerman (1923-1954). Eis a frase no seu contexto: "E enquanto me for possível empurrar as palavras contra a força do mundo, esse poder será tremendo, pois quem constrói prisões expressa-se sempre pior do que quem se bate pela liberdade" (p. 23 da edição portuguesa de 1989).

    O graffiti final é uma variação da frase do poeta austríaco Erich Fried (1921-1988), refugiado em Inglaterra após a anexação do seu país pelos nazis: "Aquele que deseja que o mundo permaneça tal como está, não quer de facto que ele permaneça". Na versão original não figura o enfático "at all" do graffiti: "Wer will, daß die Welt so bleibt, wie sie ist, der will nicht, dass sie bleibt."


    POEMA:

    No meu país não acontece nada
    à terra vai-se pela estrada em frente
    Novembro é quanta cor o céu consente
    às casas com que o frio abre a praça

    Dezembro vibra vidros brande as folhas
    a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
    que o mais zeloso varredor municipal
    Mas que fazer de toda esta cor azul

    Que cobre os campos neste meu país do sul?
    A gente é previdente tem saúde e assistência cala-se mais nada
    A boca é pra comer e pra trazer fechada
    o único caminho é direito ao sol

    No meu país não acontece nada
    o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
    Todos temos janela para o mar voltada
    o fisco vela e a palavra era para toda a gente

    E juntam-se na casa portuguesa
    a saudade e o transístor sob o céu azul
    A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
    da velha lei mental pastilhas de mentol

    O português paga calado cada prestação
    Para banhos de sol nem casa se precisa
    E cai-nos sobre os ombros quer a arma quer a sisa
    e o colégio do ódio é a patriótica organização

    Morre-se a ocidente como o sol à tarde
    Cai a sirene sob o sol a pino
    Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
    Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

    Há neste mundo seres para quem
    a vida não contém contentamento
    E a nação faz um apelo à mãe,
    atenta a gravidade do momento

    O meu país é o que o mar não quer
    é o pescador cuspido à praia à luz
    pois a areia cresceu e a gente em vão requer
    curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

    A minha terra é uma grande estrada
    que põe a pedra entre o homem e a mulher
    O homem vende a vida e verga sob a enxada
    O meu país é o que o mar não quer


    sexta-feira, 11 de setembro de 2015

    Marco Rodrigues_Fados do Fado_Noite




    Noite


     letra de Vasco de Lima Couto e música de Max


    Sou da noite um filho noite
    Trago rugas nos meus dedos
    De contarem os segredos
    Nas altas fontes do amor

    E canto porque é preciso
    Raiar a dor que me impele
    E gravar na minha pele
    As fontes da minha dor

    Noite companheira dos meus gritos
    Rio de sonhos aflitos
    Das aves que abandonei
    Noite céu dos meus casos perdidos
    Vêm de longe os sentidos
    Nas canções que eu entreguei

    Oh minha mãe de arvoredos
    Que penteias a saudade
    Com que vi a humanidade
    A minha voz soluçar

    Dei-te um corpo de segredos
    Onde risquei minha mágoa
    E onde bebi essa água
    Que se prendia no ar

    Noite companheira dos meus gritos
    Rio de sonhos aflitos
    Das aves que abandonei
    Noite céu dos meus casos perdidos
    Vêm de longe os sentidos
    Nas canções que eu entreguei


    domingo, 6 de setembro de 2015

    Lara Fabian - je suis malade





    Com um final estrondoso...(sem microfone)!!!


    juan manuel serrat - puebo blanco





    Colgado de un barranco
    duerme mi pueblo blanco
    bajo un cielo que, a fuerza
    de no ver nunca el mar,
    se olvidó de llorar.

    Por sus callejas de polvo y piedra
    por no pasar, ni pasó la guerra.
    Sólo el olvido...
    camina lento bordeando la cañada
    donde no crece una flor
    ni trashuma un pastor.

    El sacristán ha visto
    hacerse viejo al cura.
    El cura ha visto al cabo
    y el cabo al sacristán.
    Y mi pueblo después
    vio morir a los tres...

    Y me pregunto por qué nacerá gente
    si nacer o morir es indiferente.

    De la siega a la siembra
    se vive en la taberna.
    Las comadres murmuran
    su historia en el umbral
    de sus casas de cal.

    Y las muchachas hacen bolillos
    buscando, ocultas tras los visillos,
    a ese hombre joven
    que, noche a noche, forjaron en su mente.
    Fuerte pa' ser su señor.
    Tierno para el amor...

    Ellas sueñan con él,
    y él con irse muy lejos
    de su pueblo. Y los viejos
    sueñan morirse en paz,
    y morir por morir,
    quieren morirse al sol.

    La boca abierta al calor, como lagartos.
    Medio ocultos tras un sombrero de esparto.

    Escapad gente tierna,
    que esta tierra está enferma,
    y no esperes mañana
    lo que no te dio ayer,
    que no hay nada que hacer.

    Toma tu mula, tu hembra y tu arreo.
    Sigue el camino del pueblo hebreo
    y busca otra luna.
    Tal vez mañana sonría la fortuna.
    Y si te toca llorar
    es mejor frente al mar.

    Si yo pudiera unirme
    a un vuelo de palomas,
    y atravesando lomas
    dejar mi pueblo atrás,
    juro por lo que fui
    que me iría de aquí...

    Pero los muertos están en cautiverio
    y no nos dejan salir del cementerio

    PATXI ANDION Me esta doliendo una pena





    Me esta doliendo una pena
    Y no la puedo parar
    y se revuelve en silencio
    tumba abierta en soledad
    y quiero hacerla cometa
    para poderla volar ...


    Me esta ganando esta pena
    y no la quiero ceder
    y busca por ser palabra
    y es por hacerse entender
    en brazos de mi guitarra
    y la tengo que esconder ...


    Y en mi guitarra quisiera
    dejar la pena llorar
    hacerla surco en el tiempo
    hacerla tiempo en el mar
    hacer con la mar un viento
    que se la pueda llevar


    Me esta doliendo una pena
    acunada en el portal
    de este vacio sonoro
    que no sabe adonde va
    de este vacio que lloro
    por quererlo remediar ...


    Y en mi guitarra quisiera
    Dejar la pena llorar
    romper la monotonia
    de este pueblo en carnaval
    de este pueblo que me duele
    cada dia mas y mas
    Y que es una imensa pena
    y me tengo que callar..

    Me esta doliendo una pena

    Y me tengo que callar...


    terça-feira, 1 de setembro de 2015

    Ana Maria

    ( poema declamado e gravado por um familiar, já falecido, que viveu longos anos no Brasil.
      não tenho a certeza se a autoria será dele. )
     



    Vestida de rosas brancas
    de mil silêncios feitas
    assim jaz Ana Maria
    que inda à pouco sorria
    e agora não sorri mais.

    Está mais pobre o seu bairro
    e a sua rua ainda mais
    só por que Ana Maria
    que inda à pouco sorria
    agora não sorri mais.

    Há certo véu de tristeza
    turvando o olhar dos pais
    tudo por que Ana Maria
    que inda à pouco sorria
    agora não sorri mais.

    As lindas danças de roda
    perderam uma graça a mais
    e isto por que Ana Maria
    que inda à pouco dançava
    agora não dança mais.

    Parece que está dormindo
    ouve-se por entre ais
    dormir, pode dormir
    mas sorrir como sorria
    a linda Ana Maria
    não sorrirá nunca mais.

    Perdida canção alada
    espalhada pelos céus
    lindos versos de esperança
    que a morte já não ouviu
    e nos versos da canção
    havia certa ironia
    eis o que dizia a canção:
    - por quem sonha Ana Maria?


    quarta-feira, 26 de agosto de 2015

    Rodrigo Costa Félix - Amigo Aprendiz




    POEMA  AMIGO APRENDIZ de Fernando Pessoa.



    Quero ser o teu amigo.
    Nem demais e nem de menos.
    Nem tão longe e nem tão perto.
    Na medida mais precisa que eu puder.
    Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
    Da maneira mais discreta que eu souber.
    Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
    Sem forçar tua vontade.
    Sem falar, quando for hora de calar.
    E sem calar, quando for hora de falar.
    Nem ausente, nem presente por demais.
    Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
    É bonito ser amigo, mas confesso: é tão difícil aprender!
    E por isso eu te suplico paciência.
    Vou encher este teu rosto de lembranças,
    Dá-me tempo de acertar nossas distâncias



    se o mar te falasse...



    Se o mar te falasse..

    Como se o mar talvez te daqui levasse...
    levasse o corpo ou até te encharcasse...
    a alma num imenso oceano de água fria
    Oceano de dor que até aqui te trazia
    Fustigado pelos ventos, em areias adormecidas
    Enterraste as mãos num pedido escondido
    E afogaste teus olhos nas águas macias
    Numa mesma praia, sem corpo vestido!
    Vestes apenas tu...
    Com esse fato negro escuro de cegueira
    Num corpo sem forma trespassado pela claridade
    Quase abandonado pela alma, já sem piedade!,
    Definas como a erosão de uma rocha costeira
    Ninguém quer reparar quando a desgraça magoa
    Ninguém parece sequer saber que ali um homem sofre só
    Talvez nem num único pensamento te soubesses pessoa
    Ou que há sempre quem "reze" por nós!
    Nada nem ninguém saberá o que ate aqui te traz
    Ou o que trazes em ti que te roubou toda a paz
    Mas cada Ser tem por direito uma nova porta, merecida!
    Desejo que a tenhas atravessado com vida!

    in: -* Jardim de palavras *- 27 de agosto de 2014



    Jacques Brel - La chanson des vieux amants







    a mais doce, a mais terna, a mais bela canção de amor.

    Cette chanson est un compte-rendu mélancolique tenu par un amant et adressé à celle qui partagea sa vie durant deux décennies.
    Le texte est guidé par les souvenirs et étoffes de sentiments que le chanteur a su conserver de cette histoire.


    La Chanson des vieux amants Lyrics Jacques Brel



    [Couplet 1]
    Bien sûr, nous eûmes des orages
    Vingt ans d'amour, c'est l'amour fol
    Mille fois tu pris ton bagage
    Mille fois je pris mon envol

    Et chaque meuble se souvient
    Dans cette chambre sans berceau

    Des éclats des vieilles tempêtes
    Plus rien ne ressemblait à rien
    Tu avais perdu le goût de l'eau
    Et moi celui de la conquête


    [Refrain]
    Mais mon amour
    Mon doux, mon tendre, mon merveilleux amour
    De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
    Je t'aime encore, tu sais, je t'aime

    [Couplet 2]
    Moi, je sais tous tes sortilèges
    Tu sais tous mes envoûtements
    Tu m'as gardé de piège en piège
    Je t'ai perdue de temps en temps

    Bien sûr tu pris quelques amants
    Il fallait bien passer le temps
    Il faut bien que le corps exulte

    Mais finalement, finalement
    Il nous fallut bien du talent
    Pour être vieux sans être adultes


    [Refrain]

    [Couplet 3]
    Et plus le temps nous fait cortège
    Et plus le temps nous fait tourment

    Mais n'est-ce pas le pire piège
    Que vivre en paix pour des amants
    Bien sûr tu pleures un peu moins tôt
    Je me déchire un peu plus tard
    Nous protégeons moins nos mystères
    On laisse moins faire le hasard
    On se méfie du fil de l'eau
    Mais c'est toujours la tendre guerre

    [Refrain]







    domingo, 23 de agosto de 2015

    Caminho da manhã


    Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: mas os figos não são pretos: mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada.

    Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível.

    Sophia de Mello Breyner, Livro Sexto, 1962

    quarta-feira, 8 de julho de 2015

    "Regresso"_Graça Pires

    "Regresso"

    Sem mais nem menos
    surgiu o passado,
    corpo intranquilo
    feito de sons semelhantes
    aos rostos que amei,
    universo donde me excluí,
    mar desprovido de cais
    na obliquidade dos contrastes.

    Esta noite voltei à minha infância:
    menina rosada de sonhos nos bolsos,
    bailarina de corda na caixinha de som.

    À infância regressa-se solitariamente,
    subindo um rio sem margens,
    até ao lugar em que a nascente
    se confunde com o tempo
    e o tempo se transforma em espanto.

    Procuro, teimosamente,
    o rasto da brisa
    que me invade o corpo
    e apenas sei que o sonho
    é um risco inquietante,
    quando a solidão tem rosto
    e se conhece a posição das estrelas
    no âmago das palavras.

    Graça Pires, De: Poemas, 1990
    publicada por Graça Pires às 13:27 a 25/Jun/2015

    in:
    http://ortografiadoolhar.blogspot.com/ 

    quinta-feira, 18 de junho de 2015

    CHICO BUARQUE - VALSINHA








    Uma das mais belas composições musicais que, sem hesitação, classifico.
    Os tons harmónicos e melódicos dão a esta criação, na minha opinião, o estatuto comparável às obras de Schubert.
    Só duas Almas verdadeiramente geniais, na Cultura brasileira, poderiam criar tão sublime e intemporal sentido ao ouvido.
    Gostaria de ter encontrado a voz acompanhada unicamente ao piano e em dueto com os dois compositores o que, infelizmente, não foi possível.

    Talvez alguém encontre e aqui venha partilhar.


    Valsinha

    Voz:Chico Buarque de Holanda

    Composição: Chico Buarque / Vinícius de Moraes

    Um dia ele chegou tão diferente


    Do seu jeito de sempre chegar


    Olhou-a de um jeito muito mais quente


    Do que sempre costumava olhar


    E não maldisse a vida tanto


    Quanto era seu jeito de sempre falar


    E nem deixou-a só num canto


    Pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar






    E então ela se fez bonita


    Como há muito tempo não queria ousar


    Com seu vestido decotado


    Cheirando a guardado de tanto esperar


    Depois os dois deram-se os braços


    Como há muito tempo não se usava dar


    E cheios de ternura e graça


    Foram para a praça e começaram a se abraçar






    E ali dançaram tanta dança


    Que a vizinhança toda despertou


    E foi tanta felicidade


    Que toda cidade se iluminou


    E foram tantos beijos loucos


    Tantos gritos roucos como não se ouvia mais


    Que o mundo compreendeu


    E o dia amanheceu em paz


    terça-feira, 2 de junho de 2015

    Poema à Mãe_Eugénio de Andrade



    No mais fundo de ti,
    eu sei que traí, mãe

    Tudo porque já não sou
    o retrato adormecido
    no fundo dos teus olhos.

    Tudo porque tu ignoras
    que há leitos onde o frio não se demora
    e noites rumorosas de águas matinais.

    Por isso, às vezes, as palavras que te digo
    são duras, mãe,
    e o nosso amor é infeliz.

    Tudo porque perdi as rosas brancas
    que apertava junto ao coração
    no retrato da moldura.

    Se soubesses como ainda amo as rosas,
    talvez não enchesses as horas de pesadelos.

    Mas tu esqueceste muita coisa;
    esqueceste que as minhas pernas cresceram,
    que todo o meu corpo cresceu,
    e até o meu coração
    ficou enorme, mãe!

    Olha — queres ouvir-me? —
    às vezes ainda sou o menino
    que adormeceu nos teus olhos;

    ainda aperto contra o coração
    rosas tão brancas
    como as que tens na moldura;

    ainda oiço a tua voz:
    Era uma vez uma princesa
    no meio de um laranjal...

    Mas — tu sabes — a noite é enorme,
    e todo o meu corpo cresceu.
    Eu saí da moldura,
    dei às aves os meus olhos a beber,

    Não me esqueci de nada, mãe.
    Guardo a tua voz dentro de mim.
    E deixo-te as rosas.

    Boa noite. Eu vou com as aves.


    Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"

    sexta-feira, 1 de maio de 2015

    O Melhor de Luís Góes_Fado de Coimbra

    NAPOLI DEA MADRE - CRISTINA BRANCO LIVE IN NAPLES





    NAPOLI DEA MADRE - CONCERTO LIVE CRISTINA BRANCO 
    9/11/2014 TEATRO MEDITERRANEO NAPOLI (Italy)

    Cristina Branco (voce)
    Ricardo Dias (piano e accordion)
    Bernardo Couto (chitarra portoghese) 
    Bernardo Moreira (contrabbasso) 


    Aldina Duarte_Mulheres ao Espelho




    Não Vou, Não Vou
    Eu tinha as chaves da vida e não abri 
    As portas onde morava a felicidade 
    Eu tinha as chaves da vida e não vivi 
    A minha vida foi toda uma saudade 
    E tanta ilusão que tive e foi perdida 
    E tanta esperança no amor foi destroçada 
    Não sei porque porque me queixo desta vida 
    Se não quero outra vida para nada 

    Se foi para isto que nasci 
    Se foi para isto que hoje sou 
    Se foi só isto que mereci 
    Não vou, não vou 
    Podem passar bocas pedindo 
    Olhos em fogo tudo acabou 
    Pode passar o amor mais lindo 
    Não vou, não vou 

    Eu tinha as chaves da vida e fui roubada 
    Mataram dentro de mim toda a poesia 
    Deixaram só tristeza sem mais nada 
    E a fonte dos meus olhos que eu não queria

    Letra: Júlio de Sousa
    Música: Moniz Pereira

    Guitarra Portuguesa: José Manuel Neto
    Viola: Carlos Manuel Proença